Sylvio Capanema de Souza, num dos mais famosos livros jurídicos da matéria, “A Lei do Inquilinado Comentada”, já registrava com sabedoria: “Não há garantia absoluta que torne o locador imune a riscos”. Esta advertência costuma dar arrepios em locadores, quando advogados seniores a revelam. Muitos leigos acreditam que existem “blindagens” na lei. Alguns chegam a apostar alto na ilusão. Como a ação judicial é um direito constitucional, qualquer pessoa pode acionar alguém pelo que quiser alegar. Só aí já não há a tal “blindagem”, mas despesas haverá. Assim, decisões juridicamente bem estruturadas e orientadas que consigam evitar ações judiciais já serão um grande passo.

Relativamente à locação de um imóvel, ocorre que o locador entrega ao locatário um bem valioso, um imóvel, que pode chegar a valer milhões de reais, a troco de uma expectativa: o pagamento mensal que, em muitos casos, não chega a 1% do valor do bem, por mês. Vê-se nesta relação um potencial desequilíbrio. Assim, se o locador não tiver uma garantia muito eficiente, estará em grande risco. Imóveis, em alguns casos, são depredados, às vezes estruturalmente; já houve imóvel devolvido “pintadinho”, de preto; locatários param de pagar aluguéis por diversas causas e o Judiciário, sabe-se, não é nada ágil numa ação de despejo.

Assim, se o locador escolher – ou “aceitar”- um sistema de garantia ruim ou fraco, e eles existem, poderá estar em grande risco. 

A lei do inquilinato, 8.245, no art. 37, registra quatro genéricas garantias locatícias, sendo proibido ao locador impor mais de uma delas ao locatário. São: caução; fiança; seguro de fiança locatícia; e cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento. A caução e a cessão fiduciária de quotas são garantias reais, incidem sobre o bem. Já a fiança e o seguro de fiança locatícia são garantias fidejussórias, ligadas à confiança.

A caução pode ser em móveis, que equivale ao penhor; em imóveis, que equivale à hipoteca; ou em dinheiro, neste último caso com a limitação de até três meses de aluguel, conhecida como “depósito”, depositado em caderneta de poupança. Penhor e hipoteca exigem averbação em cartório, a favor do locador. 

Se a caução incidir sobre títulos de crédito – chamada de penhor de direitos-, incluídas aí as modalidades de títulos nominativos da dívida pública, títulos de crédito pessoal, ações de sociedade anônimas, certificados de depósitos bancários, debêntures etc. haverá entrega física dos títulos, ou da coisa, ao locador, o que, em direito, se chama “tradição”. É a entrega física – a posse – que garante o locador. Em caso de títulos de crédito não há a limitação de valor no equivalente a três meses de aluguel, como ocorre no depósito, podendo o valor ser superior a esta soma. Já se se tratar de caução imobiliária, em que o locatário ofereça um imóvel, seu ou de terceiros, como garantia, é exigida a forma pública, em cartório, inclusive com anuência do cônjuge, dada a natureza da afetação sobre o bem de raiz, o imóvel.

Tanto a caução em títulos, quanto em imóvel, pode haver aí uma opção razoável, ainda que trabalhosa. No caso de títulos e ações, a razoabilidade da garantia se manterá desde que não ocorra recuperação judicial, falência ou liquidação das empresas emissoras dos títulos, situação que demandará medidas para substituir a garantia, o que pode gerar despesas e não ser uma situação simples. Capanema registra que a caução de bens não se tornou usual.

Já o popular “depósito”, equivalente a três meses de aluguel, em muitos casos pode se tornar um verdadeiro desastre para o locador, e só para o locador. Sabe-se que conseguir um fiador proprietário, em muitos casos, não é algo fácil. Igualmente, um seguro fiança pode não ser fácil, se o locatário tiver em seu nome qualquer registro negativo que limite seu crédito. Assim, locadores que aceitam depósito de três meses, sem ressalva contratual de poder cobrar o remanescente da dívida, às vezes premidos pela necessidade de alugar o imóvel, ou “incentivados” por um intermediário que só busca receber sua comissão ali no fechamento do negócio, podem acabar com graves problemas e grandes custos no futuro. O chamado “depósito”, vê-se, é a pior das modalidades para locadores. Já para locatários pode ser ótimo.

A modalidade de garantia de fiador, se o fiador existir, se for verdadeiro, e se for mesmo proprietário do imóvel posto à garantia, totalmente livre e desembaraçado, com expressa anuência do cônjuge, costuma ser uma boa opção. Registra-se que já se discutiu a constitucionalidade da penhora do bem de família do fiador (RE 407.688/SP). A possibilidade continua majoritária no Judiciário, mas veem-se resistências. Por isto, alguns locadores exigem fiador com dois imóveis. Outra agonia é que o fiador pode se exonerar, em caso de hipoteca, se a locação se prorrogar por tempo indeterminado, ficando responsável por período de 120 dias.

O seguro fiança é modalidade que o locador não precisa se incomodar com a “ficha” do locatário, vez que será a empresa que venderá a fiança para o locatário, que fará toda a investigação de sua situação. Para muitos, esta é a melhor forma de garantia, principalmente quando aliada às garantias adicionais de pintura e danos ao imóvel etc., olhando pelo lado do locador. Já pelo lado do locatário, poderá ser uma via cruciante, dadas as exigências a cumprir.

Por fim, a modalidade de garantia chamada de cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento, uma aplicação feita pelo locatário (devedor fiduciante), ou terceiro, a favor do locador (credor fiduciário). Pode ser também uma boa forma de garantia, desde que em montante suficiente.

Como o art. 39 da lei rege que toda garantia locatícia se estenda até a efetiva devolução do imóvel, ressalvada a situação do depósito de míseros três meses, se o montante garantidor for calculado com sobra para eventuais atrasos e mesmo a prorrogação da locação por prazo indeterminado, o locador poderá estar tranquilo.

Negociadores profissionais, como Herb Cohen, no livro “Você Pode Negociar Qualquer Coisa”, ensinam que uma negociação se estrutura em três elementos centrais: informação, tempo e poder. Assim, locadores encurralados no tempo, por intermediários comerciais ávidos em “fechar” – o verbo-praga das vendas – o negócio, e alugar o imóvel às pressas, costumam fazer péssimos negócios. Quando, anos depois, têm vultosos problemas jurídicos, e prejuízos, o tal intermediário não “existe” mais.

A relação locatícia pode se estender por anos e diversas situações, estritamente jurídicas e, em todos os casos, particularizadas àquela negociação, àquele imóvel e àquelas partes precisam ser muito bem conversadas, refletidas, confirmadas para que a decisão jurídica de alugar se dê com segurança e anteparo no direito.

Tudo isto para não se cair no ditado de que o oriental leva dois anos para planejar e dois dias para executar; e o ocidental planeja em dois dias e fica dois anos batendo a cabeça. São apenas “estilos”. Mas um deles é bastante gerador de prejuízos.

Fonte: Migalhas