A cobrança indevida é um dos maiores problemas dos consumidores brasileiros. E sobretudo diante do avanço dos serviços digitais, também as diferentes formas em que ela se manifesta na realidade parecem ter aumentado. Ao mesmo tempo em que surgem mais serviços ao consumidor – e consequentemente, mais oportunidades de haver uma cobrança fora dos valores e termos contratados – também surgem mais contratos de adesão. Com isso, a cobrança indevida em serviços digitais se configura, muitas vezes, de forma quase imperceptível aos consumidores.

Os contratos de adesão são aqueles contratos já prontos. Ou seja, em que as partes não negociam as cláusulas e uma aceita as condições da outra. Essa espécie de contrato é bastante comum em relações de consumo, justamente porque as empresas produzem algo que poderá ser acordado em massa. E sobretudo nos meios digitais, em que muitas vezes se dispensa o contato humano (você acessa uma plataforma e realiza a compra ou contratação sem intermédio de funcionário), ele se torna cada vez mais comum. E isto reflete nos direitos dos consumidores, porque permite também maiores erros e falhas de interpretação.

Veja, então, o que é a cobrança indevida e como você pode se defender e pedir seus direitos nos meios digitais.

O que é cobrança indevida em serviços digitais

A cobrança indevida, como já tivemos a oportunidade de explicar em outros artigos, é a cobrança de um serviço ou produto não contratado ou em valores acima daqueles estipulados no momento do negócio.

A cobrança indevida em serviços digitais, dessa maneira, é um desdobramento dessa cobrança indevida pelo consumidor. Mas por que falar especificamente dos meios digitais?

Nos últimos anos, a oferta de serviços digitais aumentou consideravelmente e, com ela, também os riscos dessa oferta. A cobrança indevida, por si, não é algo recente. Desde que existem relações de consumo e, principalmente relações de consumo a longo prazo – no sentido de haver cobranças periódicas – existem erros nas cobranças, da mesma forma que existem erros nos pagamentos.

Errar é humano, e ainda que a tecnologia esteja cada vez mais envolvida nesse processo, há equívocos que podem acontecer. É claro que é dever do fornecedor, também, tomar todas as medidas possíveis para evitar o erro. Afinal, os danos para o consumidor podem ser graves e gerar, inclusive, uma negativação indevida e o direito de indenização por danos morais.

Sempre houve, portanto, a possibilidade de se cobrar indevidamente. Em serviços como a oferta de telefonia fixa, água e luz, por exemplo, é comum encontrar registros de ações contra as empresas fornecedoras. Ainda assim, por que falar dos meios digitais?

Porque também os riscos aumentaram com o advento dos meios digitais.

Da cobrança indevida por serviço não contratado ao cartão de crédito clonado

Se antes a fraude ocorria muito pela falsificação de documentos ou pelo uso indevido destes após uma perda, hoje a fraude é feita pela clonagem de um cartão de crédito, amplamente utilizado na internet. Pesquisas apontam que mais de 3,6 milhões de cartões de crédito clonados são utilizados no Brasil no período de um ano.

Sim, também constitui uma fraude, o cartão de crédito clonado. Mas se antes era algo muito inesperado, hoje é comum que as pessoas vejam suas faturas e encontrem compras e negócios que não foram realizados por elas. Surge, então, o questionamento dos consumidores: até onde vai a responsabilidade da empresa fornecedora pela cobrança indevida nos serviços digitais?

É claro que nem só de fraude se fala. Com o aumento da quantidade de serviços, também surge uma dificuldade no controle das contratações individuais – e a tecnologia nem sempre é capaz de controlar tudo sem as mãos humanas -, mas também as oportunidades das empresas fornecedoras agirem de má-fé.

Para o Direito, a má-fé nem sempre será representada por aquele tom de malícia, com o objetivo nítido de prejudicar alguém. A má-fé se constitui em uma ação que se sabe ir contra os princípios gerais do Direito, senão contra a própria formalidade exigida. A má-fé está na empresa que corta as ligações para que a cobrança de uma nova ligação seja maior. Está na empresa que, contrariamente às normas de Direito do Consumidor, não traz as informações adequadas. E está na empresa que, salvo o engano justificável (como nos casos em que ela é objeto de fraude), sobre indevidamente do consumidor.

As formas mais comuns de cobrança indevida em serviços digitais

Já mencionamos, aqui, uma forma comum de cobrança indevida em serviços digitais: o cartão de crédito clonado. Contudo, há outros meios que isso aconteça e cada qual pode ter diferentes impactos na hora de defender os direitos do consumidor. É o que ocorre, por exemplo, em relação à devolução em dobro do valor pago indevidamente. E terá reflexos, também, em um eventual pedido de danos morais.

1. Cobrança indevida por serviço cancelado em meios digitais

Cancelou um serviço, mas a fatura continua vindo? A cobrança por serviço já cancelado é uma das grandes causas de reclamação por cobrança indevida em serviços digitais. Apenas no Reclame Aqui são mais de 28 mil reclamações envolvendo cobrança indevida e cancelamentos. Dessas, mais de 4 mil envolvem empresas de telefonia móvel e mais de 4 mil envolvem serviços de internet.

O primeiro problema, de modo geral, já está na dificuldade de conseguir esse cancelamento. E isto por si só já esbarra em algumas normas de Direito do Consumidor. Para os serviços que oferecem cancelamento automático, quando o sistema não cai justamente na hora de finalizar o pedido, às vezes o pedido não é registrado adequadamente. E na fatura seguinte, o consumidor se depara com uma cobrança.

Para os serviços que oferecem cancelamento apenas mediante contato com funcionários, surgem os riscos de falha na comunicação, quando finalmente conseguem o atendimento. E esta falha não é necessariamente uma falha técnica, mas uma falha na compreensão do que se quer. Ou seja, novamente o consumidor corre o risco de não ter seu serviço cancelado.

É importante que o consumidor registre todas essas tentativas, sejam elas de acesso às páginas e ferramentas de cancelamento ou de contato humano, por meio do protocolo informado nas ligações. Embora se possa pedir a inversão do ônus da prova, estes são meios de provar que se fez o requerimento de cancelamento e que a empresa realizou uma cobrança indevida em serviços digitais. A empresa, assim, poderá não apenas devolver  em dobro o que cobrou, caso tenha havido pagamento do consumidor, como também poderá ter de indenizá-lo por danos morais.

2. Cobrança indevida: fatura de valor maior que o negociado

Verificar mês-a-mês as faturas é uma dica que se dá a todos os consumidores. Ao longo do tempo, no entanto, as pessoas costumam esquecer de fazer esse controle. Afinal, passa um mês, passa outro mês, e todos os valores permanecem iguais. É neste momento, no entanto, que está o risco.

Além da possibilidade de erro na cobrança, sem justificativas aparentes, existe uma razão pela qual muitos consumidores são alvo de cobrança indevida em serviços digitais: o reajuste de valores.

Para isso, um exemplo bastante comum. Paulo contratou um serviço de streaming para ouvir músicas. Mensalmente pagava 20 reais, creditados todo mês em seu cartão de crédito. E assim permaneceu por 15 meses ininterruptos, esquecendo-se de verificar em todos eles. No 15º mês, ele resolve olhar sua fatura de cartão de crédito, e descobre que, a partir do 13º mês, a cobrança passou a ser de 40 reais. Ou seja, durante 3 meses, ele pagou o dobro do que achava estar pagando.

Em investigação, ele descobre que contratou o serviço em uma promoção que dava 50% de desconto no primeiro ano de contrato.

É claro que apenas o caso concreto dirá se a informação foi bem fornecida ou não e se, desse modo, estava de acordo com as regras do Código de Defesa do Consumidor. Mas é possível que Paulo tivesse direito à devolução em dobro daquilo pelo que pagou. E o exemplo ressalta bem uma forma de cobrança indevida em serviços digitais.

3. Cobrança indevida por serviço não contratado

Chegamos, enfim, a um dos casos mais típicos de cobrança indevida em serviços digitais: os serviços não contratados.

A cobrança em cartão de crédito clonado, sem dúvida, é um exemplo dessa espécie. Mas vale dizer que, nesses casos, entende-se que o engano da empresa é justificável. Desse modo, ela deve apenas devolver o valor pago pelo consumidor, sem a repetição do indébito.

Há, no entanto, situações ainda mais corriqueiras, sobretudo quando se trata de meios digitais e contratos de adesão.

Novamente, utilizo um exemplo para que a situação fique clara. João tinha uma conta em um banco e utilizava bastante os serviços de internet banking e aplicativo. Um dia, ao abrir o aplicativo em seu celular, apareceu um banner com uma oferta. Contudo, a única opção oferecida era “Aceito”. João clicou, assim, em “Aceito”, porque não havia outra opção, exceto fechar o banner. Ocorre que, para a empresa, fechar o banner era a forma de negar a oferta. E no mês seguinte, um valor foi debitado da conta de João. Em contato com a empresa, ele descobre que foi cobrado por um serviço que não contratou (afinal, ele nunca quis aceitar aquela oferta) e entra com uma ação contra o banco.

Talvez a discussão sobre a validade dessas ofertas caiba a outro artigo – e certamente há muitos debates em torno do tema, muitos dos quais acabam envolvendo os consumidores em cobranças indevidas. O importante, entretanto, é que fique claro que a cobrança indevida em serviços digitais é sutil. E justamente por isso os consumidores precisam sempre estar atentos.

Fonte: Migalhas