A redundância contida no título acima é proposital e visa enfatizar um tema diretamente relacionado ao contexto social econômico do país. O endividamento dos consumidores brasileiros.

Segundo dados da Pesquisa de Endividamento do Consumidor (Peic) divulgada no último mês pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), 78,3% famílias brasileiras estão inadimplentes ou endividadas.

Nesta semana, o governo federal anunciou o Desenrola, programa de renegociação de dívidas voltado para pessoas físicas com dívidas de até R$ 5 mil e que recebem até dois salários mínimos mensais.

São muitas as razões para esse cenário que já se prolonga há algum tempo. Inflação de itens básicos, desemprego, juros altos e baixa renda são alguns deles. Educação financeira e crédito responsável também entram nesta lista. 

O crédito responsável pode ser entendido como a aquisição de um empréstimo, após uma análise prévia de todas as condições e riscos do contrato que o representa e a capacidade de pagamento daquele que o tomou.

Este é um dos fins da educação financeira que, em mundo ideal, deveríamos ter antes de virarmos consumidores. 

Neste contexto, então, podemos dizer que não cabe apenas aos consumidores zelar pelo crédito responsável. É também obrigação do Estado, por meio de políticas públicas e da criação de leis e daqueles que concedem o crédito.

Atento a essa divisão de responsabilidades, o poder judiciário pode, em alguns casos, minimizar a força obrigatória de contratos e revê-los, quando detectar que as instituições financeiras concederam crédito sem ter esse cuidado. 

Pode, ainda, condená-las ao pagamento de indenizações quando ficar comprovado que essa omissão deixou o tomador do empréstimo em uma situação de endividamento e com sua subsistência comprometida. Ou, como diz a lei, quando comprometer seu mínimo existencial.

Uma decisão recente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais ilustra bem esse entendimento (processo 1.0000.22.264666-3/001). A corte mineira confirmou uma decisão de primeira instância que condenou o Banco do Brasil a indenizar uma consumidora em R$ 6 mil, por danos morais. Ficou comprovado que, após lhe conceder crédito para renegociar uma dívida anterior, o banco bloqueou sua conta e reteve a totalidade de sua aposentadoria para cobrar o débito. 

Segundo a desembargadora relatora do caso, “cabe às instituições financeiras, antes de ofertar e disponibilizar linhas de crédito ao consumidor, proceder à análise criteriosa da capacidade econômica de cada pessoa a fim de evitar, na medida do possível, o inadimplemento da obrigação. Se não procedem com cautela e concedem crédito a quem já se encontra endividado, devem suportar os riscos da sua conduta sem, contudo, atentar contra a dignidade do consumidor, apossando-se, de forma integral, dos seus salários ou proventos de aposentadoria; verbas de natureza alimentar”

Ela ressaltou, ainda, que nesses casos o devedor se vê obrigado a buscar novo empréstimo movido pela necessidade de subsistência.

A decisão teve por base as normas trazidas pela Lei 14.181/2021 (Lei do Superendividamento) que alterou o Código de Defesa do Consumidor e o Estatuto do Idoso para inserir neles normas sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento. 

Como já citado aqui, nestes quase dois anos de vigência da lei, consumidores vinham conseguindo liminares para reduzirem a margem para descontos de parcelas de empréstimos, preservando-se, assim, seu mínimo existencial. 

Começam a surgir, agora, decisões definitivas neste sentido e, como se vê na decisão acima, a justiça também pode impor uma reparação pelo descumprimento destas normas.  

Resta saber de que modo estas decisões podem influenciar os bancos no momento de conceder crédito e como podem contribuir para a diminuição do endividamento das famílias.