O juiz titular da 25ª Vara Cível da Comarca de Brasília (DF) concedeu parcialmente o pedido de tutela de urgência realizado pela demandante e determinou a suspensão da cobrança de aluguel mínimo e do fundo de promoção e propaganda, constantes em contrato de aluguel de loja no Shopping JK. A demandante terá que manter o pagamento do aluguel em percentual de seu faturamento e dos encargos condominiais.

A demandante ajuizou ação judicial, na qual narrou que firmou contrato de locação de um loja no estabelecimento comercial, Shopping JK, de propriedade da demandada, comprometendo-se a arcar com o pagamento de um aluguel mínimo, percentual sobre o faturamento, condomínio e fundo de promoção e propaganda. Entretanto, em decorrência das medidas de fechamento de comércios, adotadas pelas autoridades para combater o avanço da epidemia do novo coronavírus (Covid-19), a loja da demandante não pode funcionar, logo não terá faturamento, fato que impacta em sua capacidade de cumprir com todas as obrigações contratuais.

O juiz de direito explicou que diante de uma situação e resultados imprevisíveis, o Código Civil permite o reequilíbrio econômico do contrato. Todavia não é possível o inadimplemento total: 

“Não há como simplesmente parar de adimplir as obrigações. O próprio contrato tem cláusula que nos ajuda a decidir neste ambiente de incerteza. O aluguel vinculado ao faturamento. Tal dispositivo contratual tem boa eficiência econômica, pois contém a regra de que se você ganha eu ganho. Se você perde eu perco. Necessária a cooperação para todos ganharem ou perderem juntos, a essência do Direito que atravessa os séculos: ‘viver honestamente, não lesar a outrem, dar a cada um o que é seu’.”

Quanto ao pagamento do condomínio, o magistrado destacou que: 

“O valor do condomínio não pode ser afastado, pois será reduzido naturalmente diante da diminuição dos gastos para manter o shopping ‘fechado’ e envolve despesas devidas a terceiros de boa-fé.”

A decisão não é definitiva e pode ser objeto de recurso.

Processo: 0709038-25.2020.8.07.0001 – Decisão (inteiro teor para download)

(Com informações do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT)

Inteiro teor da decisão:

Poder Judiciário da União
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS

25VARCVBSB
25ª Vara Cível de Brasília

Número do processo: 0709038-25.2020.8.07.0001

Classe judicial: TUTELA CAUTELAR ANTECEDENTE (12134)

REQUERENTE: TURQUEZA TECIDOS E VESTUARIOS S/A

REQUERIDO: PAULO OCTAVIO INVESTIMENTOS IMOBILIARIOS LTDA

DECISÃO INTERLOCUTÓRIA

Trata-se de pedido de tutela antecipada de urgência formulado em caráter antecedente envolvendo direito contratual (contrato de aluguel em shopping center) na qual a parte autora locatária requer que seja deferida tutela cautelar antecedente para que seja determinada a suspensão da exigibilidade de todas as obrigações pecuniárias do Contrato de Locação descrito, incluindo o pagamento de aluguel, condomínio e fundo de promoção e propaganda, enquanto perdurarem as determinações de suspensão das atividades e restrição à circulação de pessoas advindas da pandemia COVID19.

Decido.

Verifica-se que pretensão se amolda ao conceito de tutela de urgência, sendo uma das modalidades da tutela provisória prevista no artigo 294 e seguintes do Código de Processo Civil.

As tutelas provisórias (de urgência e de evidência), vieram sedimentar a teoria das tutelas diferenciadas que rompeu com o modelo neutro e único de processo ordinário de cognição plena. São provisórias porque as possibilidades de cognição do processo ainda não se esgotaram, o que apenas ocorrerá no provimento definitivo.

No caso dos autos, a cognição sobre o pedido e os fundamentos da demanda precisa ser sumária porque não há tempo para fazê-lo de forma mais aprofundada, em razão da urgência.

Os requisitos da tutela de urgência em caráter antecedente estão previstos no artigo 300 do CPC, sendo eles: probabilidade do direito e perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. Difere da tutela de urgência em caráter incidental apenas pela dispensa concedida à parte autora de apresentar uma petição inicial íntegra, o que não afasta a comprovação dos requisitos já citados.

Muito bem. Os fatos são claros, pois nenhuma pessoa em sã consciência e em perfeito juízo valorativo duvida que há motivo imprevisível, vale dizer as consequências da metodologia de mitigação e supressão para conter a pandemia na vida cotidiana das pessoas, instituições e empresas em caráter mundial.

A norma legal aparentemente aplicável também está razoavelmente delineada no art. 317 do Código Civil, pois é evidente que há, desde as medidas de mitigação e supressão do COVID19, manifesta desproporção entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução.

O filósofo Nassim Nicolas Taleb bem catalogou e estudou a tomada de decisão em ambiente de incerteza. A pandemia poderia até ser previsível para estudiosos e parte da comunidade científica, mas suas consequências são imprevisíveis. E mente quem dizer que sabe o vai ocorrer no futuro, ainda que a curto prazo. Estamos diante de Cisne Negro como delineado na obra de Taleb homônima.

Se todos as pessoas e empresas agirem como quer a empresa autora, será a vitória do egoísmo e do salve-se quem puder. Não há como simplesmente parar de adimplir as obrigações. O próprio contrato tem cláusula que nos ajuda a decidir neste ambiente de incerteza. O aluguel vinculado ao faturamento. Tal dispositivo contratual tem boa eficiência econômica, pois contém a regra de que se você ganha eu ganho. Se você perde eu perco. Necessária a cooperação para todos ganharem ou perderem juntos, a essência do Direito que atravessa os séculos: ‘viver honestamente, não lesar a outrem, dar a cada um o que é seu’.

Como bem explica o Juiz e culto civilista Daniel Carnacchioni, o art.317 do Código Civil encapsula os princípios da função social, boa-fé objetiva equivalência material, todos com base sólida assentada nos preceitos constitucionais da solidariedade e justiça social.

Assim, nesta fase processual, em que impera a incerteza e sequer foi garantido o contraditório, é caso de apenas afastar a garantia do aluguel mínimo e do fundo de promoção e propaganda, de modo a manter o contrato e a cooperação/solidariedade entre as partes. O valor do condomínio não pode ser afastado, pois será reduzido naturalmente diante da diminuição dos gastos para manter o shopping ‘fechado’ e envolve despesas devidas a terceiros de boa-fé.

Com efeito, compulsando os autos, verifica-se que a petição atende às parcas exigências do artigo 303 do CPC, com a indicação do pedido de tutela final, a exposição da lide e do direito que se busca realizar. Quanto aos requisitos, como visto, os fatos apresentados pela parte são relevantes e amparados em prova idônea (fato notório), permitindo-se chegar a uma alta probabilidade de aderência à realidade palpável.

De outro vértice, há iminente risco de ruína econômica e contágio a terceiros (trabalhadores especialmente) em face do dano ao provável direito invocado, não se podendo aguardar a demora normal do desenvolvimento da marcha processual, pois o empresário tem a dificílima decisão de escolher que obrigações adimplir nos próximos meses.

Por fim, em atenção ao § 3º, do artigo 300, do CPC, que fixa o requisito negativo, verifica-se que os efeitos da medida de urgência são reversíveis, sendo possível no plano empírico e jurídico restituir as partes ao status quo ante caso proferida sentença de improcedência do pedido da parte, ante garantias contratuais.

Diante de tais fundamentos, DEFIRO em parte o pedido de antecipação dos efeitos da tutela para suspender parte do contrato de locação entre as partes (cláusula do aluguel mínimo e do fundo de promoção e propaganda), mantendo-se em pleno vigor as demais disposições contratuais. A empresa autora deverá continuar a adimplir o aluguel percentual sobre o faturamento e os encargos condominiais até ulterior decisão judicial.

Cite-se a empresa demandada para ciência e cumprimento no prazo de 15 dias. Intime-se a empresa autora para aditar a petição inicial nos moldes do CPC.

Fonte: Juristas