Indubitavelmente, com a chegada das novas tecnologias, o Direito do Trabalho vem sendo fortemente impactado, de modo que alguns temas precisam, com o passar do tempo, ser melhor estudados.
Dito isso, no ano de 2020, a Justiça do Trabalho passou a investir na capacitação dos magistrados e servidores na formação de provas por meios digitais. O projeto denominado Programa Provas Digitais tem por objetivo auxiliar os juízes na fase de instrução do processo, visando a celeridade processual, assim como contribuir na produção de provas para aspectos controvertidos.
Frise-se, por oportuno, que as provas digitais são informações tecnológicas que têm potencial para alcançar a verdade real dos fatos, possuindo embasamento legal no atual Código de Processo Civil de 2015.
Nesse sentido, um dos mecanismos que vêm sendo utilizado para se obter essa efetiva veracidade no processo judicial trabalhista é a utilização dos registros de geolocalização, como, por exemplo, para a comprovação de labor extraordinário.
Com efeito, através da geolocalização é possível obter dados precisos, a exemplos dos dias, locais e horários, de forma a facilitar a localização exata de um dispositivo móvel.
Entrementes, a partir dessas informações, se torna factível comprovar em que locais em que o empregado efetivamente transitou no decorrer de um período, possibilitando, assim, cotejar as suas alegações com essa prova digital.
Aliás, um dos pontos questionáveis é se tal prova digital poderia substituir e dispensar a produção da prova oral, a qual é tradicionalmente utilizada na Justiça do Trabalho. E, mais, outra questão problemática diz respeito à segurança da prova digital para embasar a decisão judicial e esclarecer as controvérsias existentes no processo.
Nesse diapasão, a empresa Google já chegou a admitir que os dados de monitorização de pessoas podem estar sujeitos a erros, a ponto de concluir que um indivíduo esteja em um local, quando, em realidade, está em uma “distância considerável”.
Recentemente, inclusive, uma das maiores empresas de tecnologia do mundo admitiu falhas no GPS de um número limitado de aparelhos de telefonia móvel, afetando o uso de aplicativos que utilizam a geolocalização.
Lado outro, não obstante os efeitos positivos obtidos através desta nova e contemporânea prova digital, surgem debates quanto ao risco do direito à privacidade do indivíduo.
No início da pandemia, a organização não governamental, Human Rights Watch, ponderou que o uso da geolocalização utilizada em diversos países para o combate da Covid-19 poderia colocar em risco os direitos humanos, comprometendo-se assim, à vida privada.
Do ponto de vista normativo no Brasil, a Constituição Federal dispõe em seu artigo 5º, inciso XII, que é “inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.
De outro norte, a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive, nos meios digitais. O intuito é garantir e proteger os direitos fundamentais da pessoa natural, dentre eles, a liberdade e a privacidade.
Sobre o assunto, oportunos são os ensinamentos Élisson Miessa:
“Referida legislação trará inúmeras discussões acerca da aplicação da LGPD nas relações trabalhistas, desde a fase pré-contratual (na seleção dos candidatos, por exemplo), até após o término do contrato de trabalho (com o armazenamento das informações de antigos empregadores).
(…). Nesse contexto, podem surgir discussões relativas à possibilidade de juntada de provas que tenham informações pessoais de empregados pelas empresas nas reclamações trabalhistas. Assim, o empregador, em um processo trabalhista, estaria vedado de juntar uma prova que trouxesse dados pessoais de seu ex-empregado?”.
Do ponto de vista internacional, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 12, assegura a garantia da vida privada.
É certo que os tribunais têm sido provocados a emitirem um juízo de valor quanto a validade e aplicabilidade das provas digitais no processo do trabalho, notadamente quanto ao uso da geolocalização.
O entendimento sobre o assunto, porém, não se encontra pacificado.
Para os magistrados da 1ª Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, em que pese a geolocalização possa ser admitida como meio de prova, há ofensa ao direito líquido e certo ao sigilo telemático e à privacidade.
Em seu voto, o desembargador relator ponderou que “evidencia-se que a exibição da geolocalização da impetrante, durante largo período de tempo, vinte e quatro horas por dia, revelando os lugares e os horários em que a impetrante esteve, trata-se de medida que viola a privacidade e o sigilo dos dados telemáticos da autora, além de ser desarrazoada, visto que a duração da jornada externa da obreira poderia ser constatada pelos meios ordinários de prova”.
Em sentido contrário, o Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região validou o pedido para utilização da geolocalização do aparelho celular de uma empregada como meio de prova.
Para o desembargador relator, “se o novo meio probatório, digital, fornece para o fato que se quer comprovar — as folhas de ponto retratam o verdadeiro horário de trabalho — dados mais consistentes e confiáveis do que a prova testemunhal, não há porque sua produção ser relegada a um segundo momento processual, devendo, de outro modo, preceder à prova oral, ainda que mais tradicional, com vista a busca mais efetiva da verdade real, e, portanto, à maior segurança da prestação jurisdicional, bem assim atendendo ao princípio da rápida duração do processo”.
Em arremate, é incontroverso que as provas digitais poderão contribuir para a efetividade do processo, contudo, cada caso deve ser analisado cautelosamente, a fim de evitar excessos, violação de princípios e ofensas aos direitos humanos fundamentais.
Fonte: Conjur