Direito e Desenvolvimento

O STJ reviu entendimento sobre a forma de cálculo de tarifa progressiva dos serviços de água e de esgoto sanitário, em consumidores compostos por várias unidades autônomas de consumo (economias) e hidrômetro único. A tese anterior, fixada em 2021, estabelecia que não era lícita a cobrança de tarifa no valor do consumo mínimo, multiplicado pelo número de economias existentes no imóvel, quando houver hidrômetro único no local. O entendimento, portanto, era de que a cobrança em tal situação deve ocorrer pelo consumo real aferido. A controvérsia tem enorme alcance social, ao atingir incontáveis condomínios (residenciais, comerciais, shoppings ou mistos), com unidades que compartilham entre si um único medidor de consumo. A tarifa de água e esgoto, aliás, é a segunda maior despesa de condomínios residenciais, superada apenas pela folha de pagamento dos funcionários. A questão envolve especificamente a interpretação dos arts. 29 e 30, da Lei 11.445/07, a qual trata das diretrizes nacionais de saneamento básico.

Nesses dispositivos, são fixados os parâmetros e a estrutura de remuneração e cobrança dos serviços públicos de saneamento. E o sistema é estruturado por meio da cobrança de uma franquia de consumo ao usuário (parcela fixa da tarifa) e de cobrança eventualmente excedente àquele franqueado (parcela variável da tarifa). Para o STJ, a parcela fixa é um componente necessário da tarifa e remunera à concessionária por serviço essencial colocado à disposição do consumidor, sendo cobrada independentemente do consumo real de água aferido pelo medidor. Ainda segundo a Corte, foi necessário rever sua orientação anterior, a qual conferia tratamento anti-isonômico entre unidades de consumo de água e esgoto, baseado exclusivamente na existência ou não de medidor individualizado, uma vez que se encontrava vedada a exigência de tarifa mínima fixa de franquia de consumo, em função do produto do número dessas unidades pelo consumo mínimo, nas hipóteses de hidrômetro único e múltiplas unidades de consumo.

Diante disso, foi fixado o seguinte entendimento em sede de recurso repetitivo: 1 – nos condomínios como múltiplas unidades consumidoras e um único hidrômetro, é lícita a metodologia de cálculo da tarifa por meio da exigência de uma parcela fixa (tarifa mínima), e uma parcela variável e eventual da tarifa, decorrente do consumo real aferido pelo medidor, se exceder a franquia de consumo devida por cada uma das unidades consumidoras. Restou superada a jurisprudência anterior, que se entendeu conduzir a injustiças, pois apenas esses consumidores, de condomínios com hidrômetros único, ficavam dispensados do consumo mínimo pelos serviços de água e esgoto; 2 – é ilícito, nesses condomínios com múltiplas economias e um único hidrômetro, a adoção de metodologia para cálculo da tarifa, que considere apenas o consumo real global, como se o condomínio fosse uma única economia (uma única unidade de consumo) (metodologia do consumo real global). Tal metodologia aumenta enormemente a tarifa, diante da progressividade do valor cobrado, em função da quantidade de metros cúbicos de água consumidos; 3 – nesses condomínios, é também ilegal a adoção de metodologia de cálculo da tarifa que, a partir da combinação de regras e conceitos, dispense cada unidade de consumo do condomínio da tarifa mínima exigida a título de franquia de consumo.
Diante da mudança substancial na orientação jurisprudencial do STJ, a Corte modulou parcialmente os efeitos do julgamento, vedando que as concessionárias possam cobrar dos condomínios quaisquer valores pretéritos por eventuais pagamentos a menor, decorrentes da adoção do chamado modelo híbrido. Foi declarado, no entanto, lícito que as prestadoras dos serviços de saneamento básico possam modificar o método de cálculo da tarifa de água e esgoto, nos casos em que, por conta de ação proposta pelos consumidores, esteja sendo adotada modelo híbrido de cobrança, sem cobrança da tarifa mínima. Nos casos em que a prestadora de serviços de saneamento básico tenha calculado a tarifa devida pelos consumidores, dotados de medidor único, como um único usuário dos serviços, o que gera aumento de tarifa, pela progressividade do valor do consumo do metro cúbico de água, o condomínio deve ser ressarcido do valor pago a maior, por meio de compensação entre o montante restituível e parcelas a vencer da própria tarifa. A decisão foi tomada em revisão do entendimento veiculado no Tema Repetitivo de n° 414 do STJ, sendo Relator o Min. Paulo Sérgio Domingues.

Fonte: Tribuna do Norte