Moradores de um condomínio no bairro Vila Velha, em Fortaleza, alegam estar sendo cobrados por empresas financeiras após ações da administração do imóvel. De acordo com residentes do local, o síndico fez empréstimos usando o nome dos condôminos sem autorização. Os valores chegam a somar R$ 1 milhão.
A auxiliar administrativa Gerlane Araújo relatou que o caso foi descoberto no fim do mês de janeiro. Segundo ela, moradora do condomínio Parque Farol da Costa desde agosto de 2016, os condôminos descobriram o ocorrido após a chegada de uma notificação de dívida. “Já tinham vindo várias notificações sobre essa dívida para o condomínio, mas o síndico dava fim das cartas”, alega, acrescentando que ninguém era notificado — situação mudada a partir de um contato feito via aplicativo de mensagens.
A manicure Kátia Barros pontua que o marido recebeu notificação de cobrança por meio do WhatsApp. O caso, então, foi repassado a uma comissão do condomínio e a um morador que trabalha como advogado, que teria constatado a veracidade das informações após verificar o número do processo.
A partir daí, alguns moradores buscaram mais informações sobre as cobranças antes de uma assembleia extraordinária ser convocada. Na ocasião, o síndico, identificado como Rubens Saraiva Barbosa, teria confessado o empréstimo e admitido o uso de uma ata com assinaturas de vários moradores — designadas para outra situação — para realizar o negócio.
Gerlane destaca que uma das empresas forneceu documentos e atas com as assinaturas dos residentes do condomínio. “Essa empresa, lá de São Paulo, a financiadora, resolveu que, no contrato, caso o condomínio não conseguisse pagar, os condôminos pagariam”, afirmou. O condomínio tem 270 unidades.
A advogada Fernanda Noronha, representante dos moradores do condomínio, indicou que duas atas anexas ao processo não teriam relação com os empréstimos. “A primeira ata versa sobre uma assembleia que de fato ocorreu. Mas sobre reforma das garagens que seria custeada com recursos próprios. Não fala nada sobre empréstimo”, disse. A outra, frisa, “nunca aconteceu”. “Quem assina como morador e presidente de mesa é o irmão do então síndico”.
A moradora Kátia acredita que as assinaturas usadas são de assembleia para obra de inclusão de cobertas no prédio. “Houve apresentação de um projeto para expansão da área de lazer, mas isso nunca mais tinha sido conversado”, relembra, incluindo que o síndico conhecia todos os moradores. “O choque foi maior por causa disso”, relata.
Divergência entre empréstimos
Ao todo, teriam sido feitos três empréstimos, dois deles em uma mesma instituição. Até 10 de agosto de 2020, a dívida das duas primeiras Cédulas de Crédito Bancário (CCBs) somava R$ 549.838,31, valor que motivou uma ação de execução da dívida. No entanto, no último dia 11 de fevereiro, uma segunda empresa apontou empréstimo de R$ 500 mil, totalizando dívida de pelo menos R$ 1.049.838,31 em nome do condomínio, conforme nota expedida pelos advogados defensores dos condôminos.
“Recebemos a informação de que surgiu uma segunda, que, aparentemente, não tem nenhuma relação com a primeira empresa que emprestou a quantia, mas, até o presente momento, não intentou nenhuma medida judicial ainda”, pontuou o advogado Marcelo Medeiros, outro advogado contratado pelos moradores.
De acordo com ele, a segunda financeira ainda pode entrar com uma ação judicial, tal como a primeira.
Defesa do síndico
O advogado Ronny Oliveira, representante do síndico, destaca que foram feitos apenas dois empréstimos. O primeiro seria referente à cobertura das garagens, e o segundo, a obras de melhorias na parte de lazer, as quais não teriam ocorrido. “Infelizmente não houve nenhuma obra nesse sentido porque, em virtude da inadimplência dos condôminos, a despesa corrente do condomínio aumentou”, argumenta.
Ronny sinaliza ainda que o contrato de empréstimo não prevê que os moradores sejam cobrados diretamente pelo banco. Ele alega que o escritório contratado pela instituição financeira usou uma decisão judicial do estado de São Paulo para encaminhar a dívida aos residentes do imóvel — o que ele entende como “uma forma ilegal de cobrança”.
O advogado dos moradores, Marcelo Medeiros, afirma que as medidas cabíveis para anular o contrato do empréstimo serão tomadas. “A gente entende que a empresa que forneceu o dinheiro não adotou os mecanismos formais e legais de segurança”, situa, acrescendo que o regimento do condomínio prevê quórum para contratação de empréstimos — o qual não teria sido atendido pela ata usada na transação.
O que o síndico disse
Em Termo de Qualificação e Interrogatório datado de 26 de janeiro, o síndico Rubens Saraiva Barbosa revelou que “não tinha autorização dos condôminos para contrair os empréstimos”, e que estes não eram de fato conhecidos pelos residentes do imóvel. Ele afirmou que vinha pagando as parcelas com os próprios recursos, mas deixou de efetuar os pagamentos no ano passado.
Com a inadimplência, o síndico teria contratado um advogado para “tentar resolver aquela pendência”, fato também não levado aos moradores. O profissional, no entanto, não teria conseguido renegociar a dívida em razão de ter contraído Covid-19.
Após as cobranças virem à tona, o síndico foi procurado pelos condôminos e revelou que “havia simulado uma ata e falsificado as assinaturas”. Ele, então convocou uma assembleia às 18h30 do dia 22 de janeiro para explicar os fatos. Segundo Gerlane, o evento foi bastante tumultuado. “A Polícia foi lá achando que era briga”, disse. Na ocasião, ele teria revelado, ainda de acordo com a moradora, que “o empréstimo seria para várias coisas, como um bar molhado, reforma da piscina, cascatas“.
Rubens, então, foi conduzido ao 7º Distrito Policial (DP), no bairro Pirambu, e prestou declarações sobre o ocorrido. Ele acrescentou, no depoimento, que o presidente de mesa e a secretária assinaram a ata “a seu pedido e sem conhecimento do conteúdo“.
De acordo com Ronny, a dívida é de, aproximadamente, R$ 650 mil, tendo sido causada por “má gestão“. Em razão disso, Rubens deve dispor, conforme o advogado, “do patrimônio dele, de um bem imóvel que ele vai destinar, dentro do processo judicial, para arcar com esse valor“.
Em nota, a Polícia Civil do Ceará (PCCE) informa que um inquérito policial foi instaurado para apurar o caso de estelionato. De acordo com Jaime de Paula Pessoa, titular da Delegacia de Defraudações e Falsificações (DDF) da Polícia Civil, o síndico foi indiciado, mas o inquérito em relação ao caso deve demorar a ser concluído. “Vai demandar um certo tempo em razão de termos de ouvir mais de 300 pessoas e também de fazer o exame grafotécnico de todas elas”, explica.
Ele salienta que problemas em torno da administração de condomínios são “comuns”. “Isso é uma coisa que, infelizmente, tem alguns registros não só aqui na DDF, mas em outras delegacias onde temos denúncias de má utilização de valores”.
Fonte: Diario do Nordeste