Em 4/2/2019 começou a vigorar a Lei federal 13.777, denominada Lei da Multipropriedade, alterando regras importantes do Código Civil e da Lei de Registros Públicos.
Por meio dessa recente lei, instituiu-se a multipropriedade imobiliária no Direito Civil brasileiro, que, em linhas gerais, trata da possibilidade de vários proprietários possuírem, conjuntamente, um mesmo bem imóvel, utilizando-o total e exclusivamente numa parcela de tempo determinada.
O Código Civil assim definiu a multipropriedade em seu artigo 1.358-C (incluído pela lei prefalada): “Multipropriedade é o regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada”.
Noutras palavras, a multipropriedade imobiliária configura-se na hipótese em que um único bem imóvel é dividido entre vários proprietários, sendo que ao invés de fração ideal, comum nos condomínios edilícios, a multipropriedade imobiliária é composta e dividida por frações de tempo, onde cada proprietário terá o direito a fração (ou frações) de tempo adquiridas sobre aquele bem.
Exemplificativamente, a multipropriedade ocorre com frequência (mas não se limitando) nos imóveis destinados ao lazer, como numa casa de praia ou de veraneio. Nesse caso, torna-se possível comprar o mês de janeiro inteiro ou qualquer outro período à escolha do adquirente, de maneira exclusiva e pelo resto da vida, mantendo-se a propriedade do período remanescente do ano para outros coproprietários.
Uma das principais vantagens desse negócio é que, ao compartilhar o tempo de uso com outros proprietários, o custo de investimento será consideravelmente menor se comparado com a aquisição de um imóvel em sua integralidade, de modo que o multiproprietário poderá adquirir um imóvel considerado de alto padrão por um preço extremamente acessível.
Nesse sentido, imaginemos um imóvel avaliado em R$ 4 milhões, localizado no arquipélago de Fernando de Noronha, em Pernambuco. Com o regime da multipropriedade existirá a real possibilidade de se adquirir uma fração dessa propriedade e ainda dividir os custos com despesas ordinárias e extraordinárias com outros proprietários, com a possibilidade, ainda, de indicar um administrador para o bem, preocupando-se o multiproprietário apenas em usufruir seu patrimônio nos períodos adquiridos.
O instituto da multipropriedade imobiliária, apesar de relativamente novo no Brasil e ainda pouco estudado pelos doutrinadores, há tempos existe em países europeus como França (onde surgiu), Portugal, Itália e Espanha, denominado naqueles países de time-sharing.
No Brasil, o regime da multipropriedade teve suas primeiras operações já na década de 1980, sendo comum a prática de contratos dentro dos moldes da multipropriedade entre investidores do meio imobiliário, empresas do ramo turístico, empreendimentos imobiliários, imobiliárias intermediadoras etc.
Entretanto, somente com a promulgação da Lei Federal nº 13.777, de 2018, tal prática se viu legitimada com as devidas regulamentações e, consequentemente, com a esperada e devida segurança jurídica que a todos beneficia.
A Lei da Multipropriedade traz em seu bojo os limites mínimos de repartição de direitos e deveres dos multiproprietários, podendo o instrumento de instituição (convenção) regular as demais situações de interesse dos envolvidos.
Um dos principais pontos da lei, que faz superar um antigo cenário de incertezas, encontra-se na previsão legal de registro em cartório do ato de instituição da multipropriedade na matrícula-mãe (a do imóvel-base) e na necessidade de abertura das matrículas-filhas (as de cada unidade periódica), nos termos do artigo 1.358-F do Código Civil e do artigo 176, §1º, II, “6”, e §§10 e 12, da Lei de Registros Públicos. Ou seja, cada unidade periódica terá sua própria matrícula devidamente registrada em cartório, tudo com a finalidade de resguardar todos os direitos e obrigações dos multiproprietários.
Assim, da mesma forma que no condomínio edilício, por exemplo, institui-se a multipropriedade por ato entre vivos ou testamento, registrado no competente cartório de registro de imóveis, devendo constar daquele ato a duração dos períodos correspondentes a cada fração de tempo.
Nesse contexto, em que pese a existência de subdivisões em unidades periódicas para utilização do mesmo imóvel (frações de tempo), e o fato de que tais unidades periódicas serão objetos de matrículas individualizadas, destaca-se que o imóvel objeto da multipropriedade, em si, é indivisível, não se sujeitando a ação de divisão ou de extinção de condomínio. Além disso, no conceito de imóvel objeto da multipropriedade incluem-se as instalações, os equipamentos e o todo o mobiliário destinado a seu uso e gozo.
Entre as vantagens advindas da multipropriedade imobiliária, destaca-se que tal modalidade pode ser conjugada com outros contratos visando o máximo proveito do imóvel. É o caso dos contratos de serviços de intercâmbio, por meio do qual o multiproprietário cede os direitos de uso sobre um determinado imóvel em um período específico do ano a uma empresa de intercambio que, em troca, permite-lhe utilizar qualquer imóvel do mundo integrante da vasta rede credenciada.
Outro exemplo de combinação proveitosa da multipropriedade com outros tipos de contratos é a utilização do sistema de pool, cuja modalidade pode atrair bons rendimentos financeiros ao multiproprietário, uma vez que através deste sistema, o multiproprietário pode entregar os direitos de fruição de sua unidade periódica ao operador hoteleiro que, em troca, repassa-lhe uma remuneração obtida como fruto das hospedagens.
Interessante destacar também que a Lei da Multipropriedade resguarda ao multiproprietário a possibilidade de vender, ceder ou locar sua fração de tempo de forma livre, devendo apenas informar tal fato ao administrador do condomínio em multipropriedade para que ele atualize os dados cadastrais para cobrança das contribuições condominiais e outros efeitos relacionados à gestão comum do condomínio multiproprietário.
A transferência do direito de multipropriedade e a sua produção de efeitos perante terceiros não depende da anuência ou mesmo cientificação dos demais coproprietários, tampouco se garante aos demais multiproprietários o direito de preferência, salvo disposição expressa no instrumento de instituição da multipropriedade imobiliária, nos termos do artigo 1.358-L do Código Civil.
Tem-se, pois, que, sob o ponto de vista econômico, a nova lei imobiliária ataca vários dos efeitos negativos da sazonalidade nos setores imobiliário e turístico, bem como no setor hoteleiro nos imóveis de veraneio, dando maior utilidade ao imóvel e cumprindo com mais afinco a função social da propriedade.
Contudo, ressalta-se que, ainda que o Código Civil regule o novo instituto, é imprescindível a existência de maior proteção ao pretenso comprador, que decorrerá da correta redação do ato de instituição ou da convenção da multipropriedade, devendo o pretenso multiproprietário escolher e priorizar profissionais habilitados e competentes para instruí-lo neste momento.
Longe de esgotar o tema, a verdade é que esse novo instituto da multipropriedade se mostra uma interessante forma de aquisição de baixo custo de moradias para desfrute no período de férias ou, ainda, com o objetivo de adquirir uma segunda residência.
Ademais, importante cientificar que os contratos existentes, assim como as convenções e regimentos internos de condomínios, precisam se adequar com as novas regras do texto legal. Igualmente, as construtoras que passaram a tentar implementar a multipropriedade em modelos residenciais também precisam adequar-se à nova lei vigente.
Conclui-se, pois, que a recente Lei 13.777, de 2018, fez surgir novas oportunidades nos setores imobiliário, turístico e hoteleiro, fomentando esses mercados, uma vez que os contratantes estarão amparados por segurança jurídica, o que, ao final, é o que todo negociante espera.
Fonte: Conjur