Em matéria de produção e consumo, aos municípios cabe apenas suplementar a legislação federal e estadual no que couber. E, nesse cenário, o que lhes cabe, pelo princípio da preponderância, são os assuntos de interesse local.

Com base nesse entendimento, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo anulou parte de uma lei de São Paulo que instituía um Código Municipal de Defesa do Consumidor. O texto previa, entre outros itens, o combate a práticas e cláusulas abusivas e a aplicação de sanções administrativas a prestadores de serviço. 

A decisão se deu no julgamento de ações movidas pela Fecomércio de São Paulo, pela Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica, pela Associação das Operadoras de Celulares e pela Associação Brasileira de Concessionárias de Serviço Telefônico Fixo Comutado.

De acordo com o relator do acórdão, desembargador Décio Notarangeli, a Lei Municipal 17.109/19 versa sobre relações de consumo e Direito do Consumidor, matérias que são de competência legislativa concorrente de União, estados e Distrito Federal.

Aos municípios, por sua vez, cabe apenas suplementar a legislação federal e estadual no que couber (artigo 30, II, CF). “E o que lhes cabe, pelo princípio da preponderância (ou predominância), são os assuntos de interesse local”, explicou o desembargador.

Para Notarangeli, no caso dos autos, não há qualquer interesse local prestigiado na norma, com exceção do capítulo que criou o Procon municipal. O relator disse que a lei, na verdade, ampliou a norma geral editada pela União (Código de Defesa do Consumidor).

“Não é o fato de a lei municipal ser pior ou melhor, mais ou menos restritiva do que as normas federais ou estaduais, que tornaria o município competente para legislar sobre o tema. A competência legislativa exige uma análise prévia à do teor das disposições impugnadas, porque a entidade política incompetente não pode editar leis válidas, por mais que sejam bem-intencionadas, quaisquer que seja o seu teor’.”

Procon municipal
O único trecho da lei validado pelo relator foi a criação do Procon municipal. Conforme Notarangeli, os municípios gozam de autonomia administrativa (artigo 18, caput, CF) e têm competência privativa para legislar sobre o funcionamento de seus órgãos.

“A princípio, portanto, o município não só pode como deve tratar do funcionamento da Coordenadoria de Defesa do Consumidor (Procon municipal), órgão integrante do Sistema Municipal de Defesa do Consumidor. Nem por isso, porém, o capítulo III da lei, que trata do tema, é livre de vícios”, acrescentou o magistrado.

Notarangeli apontou inconstitucionalidade somente na cobrança de emolumentos pelo registro e encaminhamento de reclamações fundamentadas analisadas pelo Procon municipal (artigos 15 a 17). Segundo ele, os emolumentos configuravam uma sanção administrativa elencada pelo legislador fora do capítulo específico de sanções.

“Trata-se de uma espécie de multa ao fornecedor faltoso, exigida em dobro, se a reclamação não for atendida. Nesse caso, os emolumentos padecem da mesma inconstitucionalidade que fulmina as demais sanções administrativas.”

Divergência parcial
A decisão foi tomada por maioria de votos. O relator sorteado, desembargador Damião Cogan, divergiu em parte de Notarangeli e reconheceu a possibilidade de o município legislar para adaptação de lei federal e estadual às suas peculiaridades, necessidades e interesses locais.

“Dessa forma, perfeitamente possível que a lei, dentro de seus limites, sem exceder a norma geral federal (Código de Defesa do Consumidor), estabeleça desdobramentos de interesse local em face da norma geral, e concretizando, no âmbito municipal, o comando principio lógico que garanta direitos básicos do consumidor.”

Para Cogan, o município é o ente federativo mais próximo ao cidadão, justificando, portanto, a municipalização do Direito do Consumidor. “A lei municipal ora impugnada não vai além do preceituado na lei federal”, completou o magistrado ao votar pela inconstitucionalidade somente da cobrança dos emolumentos.

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Processo 2260724-88.2019.8.26.0000
Processo 2152348-37.2021.8.26.0000
Processo 2188592-33.2019.8.26.0000

Fonte: Conjur